Silvana Lima: “Jamais imaginei que o surfe estaria nas Olimpíadas. Hora da nova geração sonhar e acreditar"

Nesse Domingo (20), nossa Campeã conquistou mais um título, dessa vez Silvana Lima levou a melhor no WQS, na etapa de Montañita no Equador.

Pela primeira vez na história, o surfe vai ser modalidade olímpica. Mais que uma medalha, Silvana Lima, que representa o Brasil em Tóquio, traz ao País novas perspectivas para uma geração de meninas que podem, agora, sonhar em seguir carreira no esporte.
Nos anos 1980, a cearense Maria da Penha gerenciava uma barraca na Praia do Ronco, em Paracuru, uma pequena cidade costeira a 87 quilômetros de Fortaleza. Na mesma casa onde preparava petiscos e vendia cervejas, também descansava e morava com seus cinco filhos, cujo sustento garantia sozinha. O litoral, para a sua família, não era uma parte. Era o todo. E ali naquele infinito, Maria também observava suas crianças brincando entre as ondas. Prancha nenhuma delas tinha, mas uma madeira quebrada era o suficiente para garantir a diversão dos pequenos. Sua filha caçula, cheia de energia como era, não demorou muito para se juntar aos irmãos. Com 7 anos, Silvana Lima pegou seu pedacinho de madeira e descobriu o mar. Hoje, aos 36, ela é um dos maiores nomes do surfe mundial e se prepara para competir nas Olimpíadas de Tóquio.
O caminho entre a descoberta do amor pelo esporte, até, de fato, tornar-se uma atleta profissional, foi árduo. Silvana era mulher, pobre, nordestina e só estudou até a sétima série. Se esses adjetivos pesam tanto até hoje, há 20 anos, o cenário do esporte para as mulheres era ainda mais cruel. Para alcançar o sucesso, além de um talento excepcional, ela precisava de investimento. Isso se tornou possível em 2002, quando se mudou para o Rio de Janeiro. “Não foi fácil, fui morar com dez homens, só eu de menina. Tinha 17 anos, era muito nova, então tinha muita zoeira, algumas brincadeiras acabavam me machucando, mas em geral foi muito bom. O ritmo dos treinos era intenso e eu queria surfar como eles, ser mais agressiva. Foi um período importante”, relembra Silvana. Quem possibilitou e financiou a mudança foi Udo Bastos, famoso produtor de pranchas carioca.

Para além do incentivo financeiro e a necessidade de se estruturar, o status de surfista, que deveria ser motivo de honra, era sinônimo de malandragem – no pior sentido da palavra. Muitos achavam que os treinos de Silvana eram um hobby. Porém, em pouquíssimo tempo, a atleta provou que não estava ali para brincar: um ano após chegar ao Rio de Janeiro, Silvana embarcou para a Inglaterra, em direção ao seu primeiro campeonato internacional, no qual terminou em terceiro lugar. “Hoje é mamão, né? Tem GPS, celular, na época eu me guiava com mapa mesmo. Foram muitos perrengues, dormi dentro do carro, passei noite na capa da prancha, sofri bastante no começo. Eu não sabia falar inglês, isso foi difícil. Tinha medo de ganhar o campeonato e não conseguir dar entrevista, era muito frustrante”, conta. De lá, Silvana foi direto para a França participar de dois torneios. Do segundo, foi campeã. Aqui no Brasil, sua família vibrava comas suas vitórias, não mais em uma barraca, mas em uma casa – comprada pela atleta com o dinheiro do seu primeiro prêmio, um carro Celta.
Duas vezes vice-campeã mundial, quatro vezes campeã brasileira e oito vezes melhor surfista do Brasil, Silvana se prepara para as Olimpíadas com um ritmo intenso de treinos. Após lesões graves em 2006, 2011 e 2018, voltou à ativa em abril de 2019 e, fora dos campeonatos mundiais, se dedica integralmente aos jogos. “As expectativas são as melhores, estou vivendo um momento incrível. Só de imaginar, fico emocionada. Tenho que segurar essa emoção para não perder o foco! Jamais imaginei que o surfe estaria nas Olimpíadas, é realmente inspirador para muitos meninos e meninas. É hora da nova geração sonhar e acreditar”, diz.

A reflexão de Silvana é compartilhada por outros grandes nomes do esporte. Pioneira do surfe feminino nacional, a carioca Brigitte Mayer foi a primeira surfista profissional brasileira e é ex-presidente da Abrasp - Associação Brasileira de Surf Profissional, atual CB Surf. Para ela, é preciso focar no desenvolvimento das categorias de base. “Essa cena que hoje está brilhando no surfe, é reflexo de iniciativas que aconteceram há dez anos, na chamada Brazilian Storm, os tempos áureos do surfe no Brasil. Apesar das Olimpíadas, estamos passando por um momento interno de decadência. Precisamos reestruturar esse sistema e lutar pelo desenvolvimento de jovens atletas visando os ciclos olímpicos, ou vamos perder muitos talentos”, reflete Brigitte, que também sinaliza outro grande problema no esporte: o machismo. A Liga Mundial do Surfe (WSL, em inglês) só igualou os valores dos prêmios para atletas mulheres e homens em 2019. Achou a conquista recente? É mesmo. Ainda assim, a WSL foi a primeira liga esportiva global a estabelecer paridade salarial. “Essa desigualdade se dá historicamente em todos os esportes, é um absurdo. Isso não cabe mais no momento atual do mundo”, lamenta.
Recordista mundial, a surfista carioca Maya Gabeira, mulher que surfou a maior onda do mundo, concorda com Brigitte e gostaria de ver mudanças na gestão nacional. “Ainda falta bastante para chegarmos no lugar ideal, porque o surfe feminino no Brasil ainda tem pouco incentivo e estrutura. Comparando com Austrália e EUA, ainda estamos muito atrás. Vai ser interessante ver o surfe nas Olimpíadas, acho que vai popularizar o esporte ainda mais. Espero que tenhamos mais investimento nos atletas, principalmente de base, amadores”, ressalta Maya, que está acompanhando e torcendo pela equipe brasileira, que além de Silvana Lima e Tatiana Weston-Webb, tem Gabriel Medina e Ítalo Ferreira.

“Somos o país mais forte no surfe hoje. Temos quatro títulos mundiais, três atletas campeões, isso muda tudo.”, destaca.

Com a agenda superlotada, a atleta de 25 anos tem poucos minutos sobrando. Tati levou o primeiro lugar em Margaret, na terceira etapa do CT da Austrália, e venceu em segundo em Narrabeen, na segunda fase da competição. Aos 2 anos, mal falava, mas já havia subido na prancha pela primeira vez. O incentivo? A mãe, Tanira Guimarães, é bodyboarder. O pai e o irmão, Douglas e Troy Weston-Webb, surfistas. Para coroar, Tati cresceu no cenário dos sonhos: apesar de ter nascido em Porto Alegre, foi morar na ilha de Kauai, no Havaí antes dos 3 meses de vida. “Esse esporte faz parte da minha história, é um estilo de vida. Minha família colocou muita fé em mim”, revela a atleta, que tem dupla cidadania e decidiu competir pelo Brasil nos Jogos Olímpicos.

Apesar da antiga relação como surfe, ainda durante a infância, Tati descobriu outra paixão: o futebol. Por anos, se dividiu entre o mar e os gramados. “Quando fiz 13 anos, minha mãe perguntou o que eu realmente queria fazer, porque precisava começar a investir”, explica. Com o destino escolhido, era hora de traçar o caminho. Aos 14, a esportista começou a treinar profissionalmente. Três anos depois, veio o primeiro título. Em 2013, Tati foi campeã mundial júnior na Nicarágua, pelo torneio da Associação Internacional de Surf (ISL). “Temos as Olimpíadas chegando, e sonho em ganhar uma medalha de ouro representando o Brasil. Quero inspirar muitas meninas a entrarem no surfe”, completa

Paracuru e Kauai estão em lados opostos do mapa, mas o que distancia Silvana e Tatiana desaparece quando olhamos para o que as aproxima. Com carreiras fantásticas, histórias fascinantes e uma relação profunda com as águas salgadas, a dupla representa muito mais que a nossa bandeira nos Jogos Olímpicos: é a realização de um sonho coletivo. Vê-las brilhando no topo do esporte mundial ilumina a carreira de muitas mulheres, estejam elas aprendendo a nadar ou já aposentadas no circuito profissional. Aos 50, Brigitte Mayer, a primeira surfista do Brasil, celebra a conquistadas duas como parte de sua própria história. “Quando eu era jovem, o meu sonho era ir para as Olimpíadas, mas essa nem era uma possibilidade. Meninas, acreditem. Esse momento é um divisor de águas. O esporte me deu os melhores anos da minha vida e quero devolver esse presente. Precisamos de oportunidades para jovens. Vou fazer de tudo para que muitas de nós ainda possam sonhar.”

Styling: SamTavares
Beleza: Ju Sales
Produção executiva: Mônica Borges

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